segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Extermínio de adolescentes

Em 11 meses, já são 175 adolescentes mortos na Grande Fortaleza. Por trás das execuções está o tráfico de drogas

Era noite de 13 de novembro último, por volta de 21 horas, quando o garoto Igor Luan Silva dos Santos, de 17 anos, foi cercado por dois homens desconhecidos na Rua C do Conjunto Fluminense, no bairro Siqueira (área inserida dentro do ´Território da Paz´, no Grande Bom Jardim). Com armas de fogo apontadas em sua direção, o rapaz foi facilmente dominado.

Em seguida, Igor teve as mãos amarradas por fios plásticos e arrastado para um matagal situado às margens do Rio Maranguapinho.

O desfecho desta história foi a execução sumária de mais um adolescente. O rapaz, conforme constatou a Perícia Forense, acabou sendo atingido por, pelo menos, dez tiros de pistola.

Estatísticas
O episódio contado acima é a descrição de uma cena que tem se tornando comum na periferia da Grande Fortaleza, as execuções sumárias de adolescentes.

Levantamento feito recentemente pelo Diário do Nordeste junto às estatísticas da Polícia Civil, Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) e dados da Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) revelaram que, entre janeiro e novembro deste ano, nada menos, que 175 adolescentes - jovens com idades entre 12 e 18 anos incompletos - foram assassinados na Grande Fortaleza, numa média de 16 assassinatos a cada mês, ou um garoto executado a cada dois dias na Capital e sua região metropolitana. Um crime a cada 48 horas.

Em todo o ano passado, a Grande Fortaleza teve o registro de 212 casos de adolescentes mortos na RMF e o mês mais violento da estatística foi novembro, com 22 casos.

Já em 2011, até agora, o maior número de mortes violentas de menores de idade ocorreu em outubro, quando 28 garotos perderam a vida de forma trágica. A maioria tombou com muitos tiros no corpo.

Drogas
Para as autoridades da área da Segurança Pública não restam dúvidas de que, a maioria dos assassinatos de pessoas nesta faixa etária está diretamente ligada ao tráfico de entorpecentes. O avanço do consumo e venda de drogas como cocaína e crack tem deixado para trás, além de muitos dependentes químicos, um rastro de sangue e mortes violentas.

As dívidas do tráfico são ´quitadas´ com o sangue dos devedores. Traficantes dispõem ao seu lado de assassinos prontos para executar quem está devendo e, por algum motivo, não paga aos donos dos pontos de venda de drogas. A rotina dos assassinatos de adolescentes vem perdurando há, pelo menos, quatro anos, apesar do intenso trabalho dos organismos policiais destinados ao combate ao tráfico, como a Delegacia de Narcóticos da Polícia Civil (Denarc) e a Polícia Militar, através de seus batalhões e companhias.

Desde o começo do ano, por ordem expressa do secretário da Segurança Pública e Defesa Social, coronel PM Francisco José Bezerra, os setores de Inteligência foram reativados e reestruturados e uma de suas principais missões é dar suporte ao trabalho de combate ao tráfico doméstico de entorpecentes em todo o Estado.

Recordes
Somente o trabalho conjunto desenvolvido entre a Denarc e a Coordenadoria Integrada de Inteligência (Coin), da própria SSPDS, já resultou na quebra do recorde no número de apreensão de drogas no Estado. Mais de duas toneladas de maconha paraguaia foram apreendidas em operações realizadas no Interior do Estado.

Grande parte dessa droga tinha como destino a periferia de Fortaleza e seus Municípios metropolitanos, onde, exatamente, concentram-se, conforme as estatísticas oficiais, os maiores índices de homicídios dolosos de adolescentes.

Segundo o delegado Pedro Viana, titular da Denarc, a maconha paraguaia que acabou apreendida passou por um longo caminho até chegar ao Ceará. Do seu país produtor teve seu destino o Estado de São Paulo e, de lá, seguiu viagem em direção ao Nordeste. O tráfico teria como seus mentores, integrantes de uma facção criminosa estabelecida no Sudeste.

Doméstico
Trazida do Exterior, a droga acaba por chegar ao ´tráfico formiguinha´, isto é, aquele de varejo, como acontece com o crack, que é vendido em forma de pequeninas pedras pelas mãos de jovens e adolescentes na Capital.

Em diversos bairros da Grande Fortaleza, como no Grande Bom Jardim e no Jangurussu, os assassinatos de jovens têm se tornado quase uma rotina. Com medo de represálias, os moradores desses locais preferem se manter em silêncio, o que torna difícil para a Polícia a tarefa de identificar os criminosos.

CONSTATAÇÃOGarotos assumem o controle do tráfico
Há cerca de cinco anos, os adolescentes se viciavam principalmente em cola de sapateiro, comprimidos de Rivotril e maconha. Hoje, segundo o juiz responsável pela Quinta Vara da Infância e Juventude, Manuel Clístenes de Façanha e Gonçalves, o índice de envolvidos com estas substâncias, exceto a maconha, é praticamente nulo.

Os usuários deixaram de comprar os narcóticos que custavam pouco e tinham efeito duradouro, mas que não tinham grande efeito entorpecente. Foi então que houve a explosão do uso, e consequentemente da venda, de cocaína e crack. As novas drogas são vendidas em pequenas quantidades, são caras e provocam dependência quase imediata. Para alimentar o vício, os usuários passaram a recorrer a vários métodos criminosos.

Alguns roubam para comprar; outros atuam a serviço do traficante vendendo pequenas quantidades, para que ele lhe forneça os entorpecentes como pagamento. Os que se associam ao traficante são os mais executados, já que, na maioria dos casos, não têm autocontrole nas vendas e acabam consumindo o ´produto´. A dívida aumenta e o pagamento costuma ser a vida do devedor.

Gerentes do tráfico
Conforme o juiz, os menores estão sendo usados nos pontos de venda de drogas e assumem o controle no caso da Polícia identificar o local. "É como se fossem os gerentes do tráfico, que estão sempre na ´boca´ vendendo, dando ordens aos vendedores, respondendo pela droga, mas na verdade são apenas intermediários do esquema", assegura o magistrado.

Em raríssimas exceções o adolescente é responsável pela droga. Ele assume a posse porque as penalidades previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são bem mais leves que as que puniriam um maior (adulto) que fosse autuado pelos artigos de Código Penal Brasileiro (CPB), que considera tráfico um crime inafiançável e insuscetível de anistia.

De acordo com o juiz, o ´código de ética´ que rege o tráfico é bastante severo. Por se envolverem com diversas gangues diferentes, os menores traem o ´dono da boca´ e acabam perseguidos por eles. Manuel Clístenes afirma que, temerosos por suas vidas, dois garotos foram até o Juizado pedir para ser internados, pois deviam em dez pontos de tráfico no bairro Barroso e estavam sendo ameaçados. Como já haviam praticado vários atos infracionais e estavam descumprindo as medidas que haviam sido aplicadas, foram encaminhados a um Centro Educacional da Capital.

Os adolescentes estão sendo usados também para praticar homicídios na briga de gangues pelo controle de território do tráfico. Segundo dados da Quinta Vara, 90% dos homicídios praticados por adolescentes têm relações com o tráfico ou uso de drogas.

A falta de tratamento gratuito involuntário para o vicio tem sido uma das principais dificuldades para frear o consumo de drogas por menores. No Ceará, apenas ONGs oferecem tratamento gratuito, mas a internação é voluntária.

Lei O que diz o Estatuto
O estatuto da Criança e do Adolescente prevê seis tipos de medidas socioeducativas que são aplicadas quando o menor comete um ato infracional, isto é, quando ele pratica crime. As medidas são, advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e, em último caso, a internação. Esta última, não deve ultrapassar três anos e somente é aplicada em casos de delitos considerados graves, como o envolvimento do adolescente em assassinato, tráfico de drogas, extorsão mediante sequestro e crimes de natureza sexual, como estupro. A partir da data da apreensão em flagrante delito, o juiz tem 45 dias para aplicar a sanção

PESQUISABrasileiros na juventude são alvo fácil de homicídios
Relatório elaborado recentemente pela Unicef, órgão das Nações Unidades para a Criança e a Juventude, revelou que os adolescentes brasileiros estão muito mais vulneráveis a se tornarem vítimas de homicídios do que o resto da população. A taxa de homicídios de jovens na faixa etária entre 15 e 19 anos é de 43,2 para cada 100 mil habitantes, enquanto a média nacional é de 20 para 100 mil.

Os números são considerados pela ONU como ´inaceitáveis´, já que a tolerância nesta faixa etária é de 10 homicídios para cada 100 mil habitantes.

A mesma pesquisa cujo relatório final foi divulgado pela Unicef na semana passada revela que um adolescente brasileiro da raça negra tem 3,7 vezes mais risco de ser vítima de homicídio que um garoto branco da mesma idade.

Drogas
Para as autoridades dos setores da Segurança Pública, Justiça e até da Previdência Social, não há dúvidas de que um dos motores propulsores da alta taxa de homicídios de jovens e adolescentes no País é o consumo de drogas. O tráfico de entorpecentes que, antes, era restrito às grandes cidades e suas áreas periféricas, avança a passos largos no Interior no Brasil.

FERNANDO RIBEIROEDITOR DE POLÍCIA

Nenhum comentário:

Postar um comentário