segunda-feira, 25 de junho de 2012

Moradores reclamam das normas de conservação

Moradores do sítio histórico da cidade de Icó discordam da maneira como é feita a proteção dos prédios
Icó Decorridos 15 anos do tombamento do sítio histórico desta cidade, localizada na região Centro-Sul do Ceará, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a opinião de moradores sobre as medidas governamentais de proteção ainda permanece dividida. Há uma tensão permanente entre aqueles que desejam fazer obras de modificações nas fachadas dos imóveis, mas são impedidos, e os responsáveis pela preservação das antigas linhas arquitetônicas.

Após a implantação do escritório local do Iphan, em 2005, houve um recrudescimento dos conflitos, pois a fiscalização passou a ser mais rigorosa. O choque de opiniões entre as vantagens e desvantagens do tombamento é permanente e quase que diário. De um modo geral, a população concorda com a implantação do sítio histórico, mas quando há interesses individuais contrariados, muda-se rapidamente de opinião.


Imóveis do Município de Icó, na região Centro-Sul do Estado do Ceará, na área tombada, localizadas bem no centro histórico. Algumas casas construíram garagens, edificadas antes do processo de tombamento fotos: Honório Barbosa

Na semana passada, o encontro entre a moradora Gerlane Carvalho e o chefe do Escritório Técnico do Iphan, em Icó, arquiteto Erick Mendes Rolim, no Largo do Thebérge, representa uma síntese do choque de interesses. Com fotos e um projeto na mão, ela argumentava a necessidade de modificar a fachada da casa, localizada no entorno do sítio histórico, para abertura de uma porta para garagem.

Gerlane Carvalho ouviu como resposta a impossibilidade de modificação na estrutura da casa. "Não se pode mudar nada, mesmo no entorno", disse. "Está difícil morar aqui, pois não se pode ter uma garagem na casa". Em seguida, desabafou: "Não vi nenhuma vantagem nesse tombamento, pois disseram que haveria fluxo de turismo, melhoria do comércio e nada disso aconteceu. Ficou pior, pois agora a gente não consegue vender a casa e eu me sinto prejudicada".

Modificações
Segundo Gerlane, vários moradores, nos primeiros anos após o tombamento, aproveitaram a quase ausência de fiscalização e realizaram modificações nas fachadas das casas e de lojas. "Isso aconteceu até recentemente", observou. "Para alguns é permitido modificar, mas para outros não e isso traz revolta".

No centro comercial, um empresário, que preferiu não se identificar temendo represálias, reclama que sofreu notificação judicial para demolir a construção de um pavimento superior. "Um imóvel quase vizinho ao meu teve o projeto aprovado de construção de dois pavimentos", comparou. "Essa decisão deixa a gente irritado e sem compreender o porquê".

O comerciante Damon Magalhães tem um mercadinho bem no centro histórico da cidade. Mora com a família no pavimento superior do imóvel. "Sou a favor do tombamento do patrimônio, pois não pretendo mudar a fachada da loja", disse. "No passado, tive que remover uma placa que estava em desacordo com as normas do Iphan". Magalhães disse que pretende obter um empréstimo da linha de crédito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas para fazer uma reforma no interior da casa.

Ao longo dos últimos 15 anos, cerca de 600 projetos de reforma de imóveis comerciais e residenciais foram encaminhados ao Iphan. Desse total, 70% são oriundos do sítio histórico e 30% do seu entorno. Cerca de dois terços dos projetos apresentados foram aprovados, segundo estimativa do arquiteto Érick Rolim. A professora aposentada Lourdes Maciel, moradora do centro histórico, disse ser favorável ao tombamento. "Resgatou a nossa história e divulgou o nome da cidade para todo o Brasil. A população precisa aceitar e entender. Acho que deveria ter um escritório fixo do Iphan para melhor atender e dar uma resposta mais rápida aos moradores".

Conflito
O ex-secretário de Cultura e encarregado da implantação do projeto Monumenta em Icó, atual secretário de Educação, Getúlio Oliveira, analisa que a origem dos conflitos entre moradores e o Iphan está no modelo de tombamento realizado em Icó. "Foi tombada uma área, e não imóveis individualmente. Dessa forma, todos foram atingidos". Lourdes Maciel acrescenta: "Na época, não houve diálogo com a comunidade".

O arquiteto Érick Rolim confirma que o clima na cidade é de choque de interesses e que os conflitos mais graves já passaram. "Isso é constante porque as decisões técnicas não agradam todos. O interesse coletivo está acima do individual, do direito ao livre uso da propriedade".

Os projetos de reforma dos imóveis são analisados individualmente e o Iphan procura por meio de audiências públicas, distribuição de panfletos e cartilhas, orientar os moradores sobre as peculiaridades do tombamento. "A maior demanda é por abertura de garagem", disse Rolim. "As propostas são analisadas caso a caso".

No setor comercial, o maior problema refere-se às placas de publicidade. A ampla maioria, cerca de 90%, foi retirada por ser irregular.

Icó terá áreas zoneadas
Icó O sítio histórico e o seu entorno na cidade de Icó serão zoneados, segundo critérios técnicos e sugestões dos moradores. Recentemente, foi realizada uma audiência pública, no auditório do Teatro da Ribeira dos Icós, com a participação de centenas de moradores. O objetivo do encontro foi esclarecer para a população a metodologia do trabalho que, também, tem caráter participativo.


Conjunto de casario no Município de Icó, tombado pelo Iphan. Imóveis privados aguardam programa de financiamento para restauro, reforma e ampliação

O Iphan contratou uma empresa, por meio de licitação, para fazer o trabalho de zoneamento do centro histórico. "Será uma espécie de plano diretor do sítio histórico", explicou o arquiteto e chefe do Escritório Técnico do Iphan, em Icó, Erick Rolim. "Teremos um documento e diretrizes a serem seguidas, que podem ser mais rígidas em determinadas áreas e abrandar em outras", afirmou.

Inicialmente, houve uma reunião de sensibilização e de demonstração do projeto de zoneamento e de sua importância. No dia seguinte, aconteceram oficinas com a participação de moradores que analisaram fotos sobre os imóveis do centro histórico da cidade.

Ainda não há data sobre o lançamento do zoneamento do sítio histórico, mas a expectativa é de que o documento traga mudanças que favoreçam a vontade dos moradores. "Não vejo nenhum mal abrir uma porta de garagem, manter uma fachada histórica, retirando revestimento cerâmico que destoa da antiguidade", insistiu a secretária e moradora, Gerlane Carvalho.

A secretária de Cultura do Município, Solange Augusto, espera que as tensões existentes entre moradores e Iphan sejam atenuadas a partir do zoneamento do sítio histórico. "A participação dos moradores será fundamental para que os problemas sejam discutidos e em conjunto seja encontrada uma solução mediada", disse. "O tombamento de todo o conjunto de prédios trouxe problemas que estendem até hoje".

Os técnicos da Secretaria de Cultura do Município também sofrem ameaças e reclamações constantes dos moradores. "Já houve ameaças de morte e, às vezes, só faltam bater na gente", lembrou Solange Augusto. "Algumas pessoas não entendem que os fiscais não são culpados e que só estão cumprindo as normas". Para Solange Augusto, quem mora no sítio histórico tem "um preço a pagar".

A cidade de Icó ainda permanece fora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas, do Governo Federal. O motivo é a inadimplência que o município tem com o Ministério da Previdência Social, impedindo de receber recursos federais. Outras três cidades do Interior, Aracati, Sobral e Viçosa do Ceará - e Fortaleza vivem a expectativa de início do programa a partir da liberação dos financiamentos, por meio de assinatura de convênio com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para adesão.

O programa vai beneficiar donos e inquilinos de imóveis residenciais e comerciais localizados em sítios históricos do Ceará que vão poder financiar obras de restauro, reforma e ampliação, sem taxa de juros, com prazo de até 15 anos.

Mais informações:
Secretaria de Cultura de Icó
Antiga Casa de Câmera e Cadeia
Fone: (88) 3561. 1628
Escritório do Iphan em Fortaleza
Fone: (85) 3221. 6263

HONÓRIO BARBOSAREPÓRTER

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